Aceleración, modernidad y ciencias sociales. Entrevista con Arthur Bueno

Arthur Bueno, investigador del Goethe-Universität (Francfort del Meno, Alemania) partició como editor invitado del volumen 27 de Pléyade, junio de 2021. En esta entrevista, Bueno ofrece una estimulante introducción a las reflexiones contenidas en las discusiones acerca de la aceleración social como clave para comprender las sociedades modernas como estructuras capitalistas. Sus respuestas ayudan a trazar la genealogía de estas discusiones en la teoría sociológica clásica, especialmente en la tradición de la teoría crítica, y en particular dada la multi- e interdisciplinariedad asumida como condición para dar respuestas a las preguntas que animan esta perspectiva. Esperamos que este breve diálogo contribuya al interés en la lectura de Pléyade 27.

 

Pléyade (P). Una de las discusiones centrales del volúmen remite a un esfuerzo por refrescar la discusión sociológica por medio de un aparato conceptual que, basado en lo que podríamos llamar una sociología del tiempo, revisita el canon clásico del diagnóstico sociológico acerca de la modernidad (alienación, anomia, extrañamiento). ¿Cuáles serían las principales coordenadas de esta propuesta conceptual?

Arthur Bueno (AB). A aceleração é um elemento central das análises clássicas sobre a modernidade. A despeito disso, por muito tempo ela não foi constituída como objeto de uma sub-área específica da disciplina sociológica. Apenas recentemente algo como uma sociologia da aceleração passou a tomar corpo, graças aos trabalhos de Hartmut Rosa, Paul Virilio, Moishe Postone, Jonathan Crary e outros, sem esquecer da obra precursora de Reinhardt Koselleck. Não podendo abordar aqui em detalhe essas teorizações, gostaria de ressaltar um aspecto crucial dos argumentos clássicos sobre a aceleração que se mantém atual: o caráter intrinsecamente contraditório do modo pelo qual o tempo é vivido na modernidade. 

Aqui, como em outras dimensões da vida moderna, apresenta-se uma contradição entre o estabelecimento de certas promessas emancipatórias e sua realização incompleta, bloqueada ou mesmo revertida em destruição. A modernidade promete uma liberação inaudita em relação às restrições temporais. Os avanços tecnológicos e a produção capitalista de mercadorias, os processos de diferenciação social e a disseminação de um ethos orientado para o controle do futuro – tudo isso promove uma enorme ampliação do que pode ser vivido em relação aos limites da tradição e dos ciclos naturais. A aceleração rompe continuamente as fronteiras, abre novas possibilidades, permite que realizemos mais atividades em menos tempo. Deslocamo-nos mais velozmente por avião do que por navio; comunicamo-nos mais rapidamente por vias digitais do que por cartas; a produção de bens torna-se mais ágil graças às tecnologias da informação e à robótica; e assim por diante. 

Essas dinâmicas projetam uma liberação progressiva em relação ao jugo da necessidade. Adquirimos, em tese, mais tempo para nos dedicar a atividades em que podemos nos sentir realizados: a convivência com familiares e amigos; o desenvolvimento de práticas criativas; a dedicação a experiências e satisfações de várias ordens. Ampliam-se, além disso, as possibilidades de aproveitamento do tempo que é liberado: somos colocados em contato com outros mundos, antes inacessíveis – não só no nosso planeta, mas mesmo para além dele.

A aceleração parece aumentar o nosso controle sobre o mundo, enriquecer a nossa experiência, intensificar a conexão com os outros e conosco mesmos. Ela promete, em suma, nos tornar mais autônomos e também mais autorrealizados. No entanto, com frequência não é assim que nos sentimos. A percepção predominante é, antes, a de não haver tempo suficiente para nos dedicarmos às atividades que consideramos mais significativas. Vivemos em estado de urgência, correndo atrás do relógio, à mercê de uma lógica que parece fora de nosso controle. O tempo que é liberado pelo avanço tecnológico é preenchido por mais e mais demandas. Somos instados a nos mover cada vez mais rápido, de preferência mais rápido do que os outros, como que tentando subir uma escada rolante que segue constantemente para baixo: deve-se continuar a correr para não ficar para trás. 

No mesmo passo em que libera novas possibilidades, a aceleração exerce assim uma pressão crescente sobre os limites dos ciclos naturais. Ela instaura uma temporalidade linear, progressiva, pautada por futuros abstratos, a qual abala os tempos circulares da reprodução da vida (alimentar, cuidar, limpar, educar) na mesma medida em que se apoia neles. A vida concreta e seus ciclos tendem a ser relegados a segundo plano – como nas formas de trabalho não pago exercidas historicamente sobretudo pelas mulheres e por grupos racializados; ou na apropriação predatória de uma natureza tratada como sempre disponível, “cheap”, ao mesmo tempo “barata” e “desprezível”. A pressão contínua sobre os processos vitais radicalizou-se a tal ponto que hoje, como indicam as mudanças climáticas, torna-se cada vez mais palpável a possibilidade de um fim do tempo – ao menos para os seres humanos. A aceleração não somente bloqueia a realização de potenciais que ela mesma oferece. Ela também apresenta, como podemos ver agora mais nitidamente do que nunca, um caráter destrutivo. 

P. ¿En qué medida esta perspectiva modifica las concepciones clásicas de la aceleración?

AB. Há uma diferença importante entre a experiência atual e aquela analisada pelos sociólogos clássicos. Os aspectos problemáticos da aceleração pareciam então, no pior dos casos, conduzir a uma situação à qual deveríamos nos resignar. A tensão entre o desenvolvimento acelerado das forças produtivas e sua restrição pelas relações de produção capitalistas (Marx); o descompasso entre a velocidade da cultura objetiva e as limitações da cultura subjetiva (Simmel); o solapamento da solidariedade orgânica pela intensificação da anomia e do egoísmo (Durkheim); e a perspectiva de uma racionalização do mundo à qual não nos restaria, afinal, senão a adaptação por meio do cálculo (Weber) – tudo isso resultava em uma realidade em muitos aspectos aprisionadora e sem sentido. Mas não representava ainda a ameaça de uma dissolução dessas próprias dinâmicas pela destruição das condições da vida na Terra. Nas palavras de Simmel, tinha-se aí algo “trágico, mas não triste”: tragisch – aber nicht traurig. Hoje, no entanto, é cada vez mais presente o risco de que a aceleração conduza de fato a um apocalíptico “fim de partida”.

A epidemia depressiva constitui a expressão subjetiva desse estado de coisas: ela é a forma de sofrimento típica de uma época na qual todas as barreiras parecem ser transpostas, em que tudo se torna acessível e, no entanto, com frequência nada de significativo parece se concretizar. A depressão é uma doença da aceleração, tal como esta veio a se instituir nas últimas décadas do século 20. Ela simboliza uma condição na qual os indivíduos oscilam velozmente entre os dois extremos da possibilidade absoluta e da impossibilidade absoluta. De um lado, a promessa de que tudo está ao alcance das mãos ou de um clique; de outro, a contínua frustração dessa expectativa – mesmo para aqueles que aparentemente “chegaram lá”, como indicam os frequentes episódios depressivos de celebridades midiáticas. Pior ainda: não são poucos os indícios de que podemos estar caminhando para o fim de toda e qualquer possibilidade. Em vista desse prospecto, é compreensível que muitos venham a se sentir como a Justine de Melancolia, aguardando – ou desejando – que outro planeta venha a se chocar com o nosso. 

Essa é, contudo, apenas uma das atitudes que se delineiam no presente. Como argumentei em outro texto, intitulado “¿Qué viene después de la depresión?”, é a partir desse solo experiencial que se deixam compreender os motores de grande parte dos movimentos políticos recentes, dos mais promissores aos mais preocupantes. São essas tensões, além disso, que permitem entender as múltiplas reações suscitadas pela pandemia da covid-19 – comentadas em minha contribuição para o número especial de Pléyade. E é nesse terreno, finalmente, que poderão vir a se estabelecer modos alternativos de lidar com os aspectos contraditórios da aceleração. 

P. Los cruces interdisciplinares que muestran estas discusiones son parte de su herencia frankfurtiana. ¿En qué medida crees tú que la interdisciplinariedad de la propuesta contribuye en el presente al desarrollo de la reflexión crítica y comprometida?

AB. Já faz algum tempo que a interdisciplinaridade se tornou um dos motes mais difundidos no discurso acadêmico. Nos debates sobre aceleração não é diferente: aqui, como em outras áreas, a concatenação de conhecimentos produzidos por diferentes áreas é certamente fundamental. Contudo, essa demanda assume um sentido peculiar no interior da teoria crítica.

O programa do materialismo interdisciplinar proposto por Horkheimer em 1931 não visava simplesmente combinar várias disciplinas com o intuito de analisar a realidade “tal como ela é”. Tratava-se, antes, de formular um diagnóstico abrangente do presente capaz de identificar as contradições da sociedade capitalista e conduzir à sua transformação. Central para esse projeto era que a análise social fosse capaz de reconhecer seu enraizamento nos processos históricos ou, em outras palavras, situar-se no seu próprio tempo. Isso tem implicações de várias ordens. Significa, em primeiro lugar, entender os acontecimentos em seu caráter eminentemente dinâmico. O presente não é concebido aí como algo dado, mas em devir. O momento atual não se define meramente pelo que ocorre ou ocorreu, mas também pelas potencialidades que contém. 

Situar-se no seu próprio tempo implica, por isso, também posicionar-se em relação a ele. O conhecimento crítico é um que reconhece sua imanência aos “processos vitais materiais” – os quais Horkheimer, em continuidade com Marx, concebeu nos termos de uma dinâmica entre o desenvolvimento de potenciais emancipatórios e as condições de sua realização ou de seu bloqueio. A teoria crítica é, desse modo, orientada pela questão da emancipação. Reconhecendo o caráter dinâmico dos acontecimentos históricos, ela se ocupa da gênese das formas atuais de dominação bem como dos futuros – progressivos ou regressivos – projetados por suas contradições imanentes. 

Podemos observar como tal programa de pesquisa interdisciplinar responde a um tipo específico de experiência temporal. Suas preocupações são aquelas geradas por uma acelerada acumulação de potenciais que, contudo, são com frequência bloqueados ou, como será enfatizado por Horkheimer e seus colaboradores a partir do final da década de 1930, contêm em si mesmos uma faceta destrutiva. A interdisciplinaridade concebida pela teoria crítica se distingue, assim, daquela proposta em outras abordagens. Não se trata somente de combinar esforços para alcançar uma análise mais precisa deste ou daquele âmbito da realidade. Para além disso, os teóricos críticos buscam formular diagnósticos abrangentes do presente que – na medida em que identificam as estruturas de dominação contemporâneas e suas contradições imanentes, bem como as modalidades específicas de sofrimento geradas por elas – almejam contribuir para transformar a própria realidade que investigam. A despeito de tudo o que já se disse sobre o pessimismo dos autores frankfurtianos, a teoria crítica possui um vínculo inextricável com a prática política. Abordar dessa perspectiva a aceleração capitalista implica, portanto, não só examinar os efeitos deletérios desse processo ou perguntar-se como eles poderiam ser evitados, mas também reconhecer-se como participante das lutas sociais contra esse estado de coisas.

P. ¿Podemos encontrar desarrollos latinoamericanos de las discusiones sobre aceleración y capitalismo? ¿Observas en estos desarrollos algunas especificidades respecto de las discusiones en Europa?

AB. Há uma longa tradição nas humanidades latino-americanas de reflexão sobre a temporalidade. Pode-se mesmo dizer que na base do pensamento social na América Latina está, desde o início, uma questão de ordem temporal: os precursores da teoria social em nosso continente não raro partiram, afinal, da percepção de certo descompasso entre a realidade das antigas metrópoles e aquela das ex-colônias. É como se os ponteiros do relógio andassem mais devagar na periferia do que no centro do capitalismo. Essa percepção se tornou especialmente aguda na medida em que tais autores procuraram aplicar a seus contextos as teorias e os conceitos produzidos no centro. Muitos foram aqueles a quem a realidade latino-americana apareceu, então, sob o signo do negativo. Ela seria marcada por aquilo que as sociedades europeias não são (mais): não plenamente desenvolvida em termos econômicos, insuficientemente racionalizada em termos culturais, deficitária em termos político-democráticos. As sociedades periféricas seriam, em suma, atrasadas. Elas portariam os traços de estágios já ultrapassados pelos países centrais. 

E, no entanto, como tantos outros ressaltaram, esse suposto atraso ocorre de maneira simultânea ao avanço dos polos dominantes do capitalismo global. “Atraso” e “avanço” podem, então, ser vistos como dois lados de um mesmo processo de aceleração. Mais do que isso: em certos sentidos, o relógio anda mais rápido na periferia, pois as consequências da aceleração são aí sentidas de maneira mais intensa do que no centro. A experiência periférica revela com especial força o lado destrutivo da aceleração: a superexploração do trabalho, a expropriação da natureza, os obstáculos à democratização da sociedade. Isso não diz respeito somente ao passado, mas também ao presente e ao futuro. Os efeitos da mudança climática – um produto direto da aceleração – são sentidos hoje, por exemplo, de maneira particularmente drástica na periferia do capitalismo. 

Olhar para o fenômeno da aceleração de uma perspectiva periférica possui, desse modo, uma vantagem epistêmica. Processos globais que, considerados apenas em seus efeitos no centro, ainda podem aparecer como avanços revelam nas periferias sua faceta inegavelmente regressiva. Os problemas que afetam tais sociedades podem, então, deixar de mostrar-se como meras reminiscências de períodos históricos anteriores e passar a ser reconhecidos como inerentes ao próprio avanço da aceleração moderna. Eles evidenciam de modo particularmente agudo a faceta regressiva do progresso. Avanços tecnológicos que produzem novas possibilidades emancipatórias com frequência implicam uma intensificação da exploração do trabalho, da expropriação da natureza e da erosão das instituições democráticas. É preciso, em suma, olhar as coisas desde a periferia para que se reconheça plenamente o caráter contraditório da aceleração moderna. Por isso também, é sobretudo a partir da periferia que se podem articular lutas sociais capazes de fazer frente a essa conjugação contraditória entre progresso e regresso.

P. ¿Qué te pareció la experiencia de coordinar este número desde Pléyade?  

AB. Foi uma grande satisfação ter podido organizar este dossiê para a Pléyade, uma revista de destaque no contexto latino-americano e que tem primado pela discussão de assuntos urgentes do presente. Fiquei especialmente feliz com o fato de terem contribuído para o volume – publicado em três línguas graças ao trabalho primoroso dos editores – tanto especialistas de renome internacional quanto novos pesquisadores latino-americanos. A diversidade de perspectivas teóricas é, em minha opinião, outro ponto forte desse número. Num momento de crise, transição e abertura histórica como o que estamos vivendo, parece-me particularmente importante debruçar-se sobre as múltiplas dimensões da nossa experiência temporal. Afinal, como o número mostra, não são poucos os problemas atuais que se vinculam às dinâmicas da aceleração: das tecnologias da informação às mudanças climáticas, das demandas de otimização individual às formas de sofrimento psíquico, das questões distributivas aos destinos do Estado-nação, das utopias políticas às lutas sociais. O tema da aceleração nos permite, assim, discutir de maneira particularmente profícua os destinos do mundo contemporâneo. Agradeço à Pléyade pela oportunidade e desejo a todos uma boa leitura. 

Link a Pléyade 29.